Depois de uns meses em Angola sem pausas e com as terras da Lusitânia a cheirarem a verão o cérebro começa a entrar em default.
Como é a vida em Angola? Costumam perguntar-me amiúde. Numa palavra: cansativa. Mas também gratificante. Para um habitante das terras do hemisfério norte, que toma por seguro e garantido coisas banais como água na torneira e energia eléctrica, chegar a casa numa sexta-feira depois de um dia de trabalho e não ter energia e o gerador ir à vida não é fácil e pode ser um verdadeiro pesadelo. Há que ter estofo. Aqui nada é garantido e tomar um duche de chuveiro chega a ser um verdadeiro luxo depois de 15 dias sem água da rede. Mas a melhoria é notável, pois há 5 anos atrás a situação era muito mais difícil, afinal reconstruir um país depois de 30 anos de guerra é tarefa hercúlea (e os Angolanos estão de parabéns pelo que têm feito até aqui).
Depois o trânsito. Lento e caótico. Vivo a cerca de 2 km apenas do local de trabalho e já demorei uma hora para chegar a casa. A pé demoro apenas 10 minutos. É quase impossível marcar compromissos a horas certas, a incerteza é a única certeza. Seria no entanto injusto não dizer que melhorou; as novas vias facilitaram muito, a sinalização é mais eficaz e a policia de trânsito tem um papel importantíssimo na circulação rodoviária. Há locais onde os agentes reguladores são autênticos heróis, pois na sua ausência é impossível circular.
Depois o trabalho em si. Não deixa de ser irónico num país onde, por conjuntura da reconstrução das infraestruturas, as coisas acontecem devagar, mantermos um ritmo de trabalho endiabrado. Se julgam que nas economias avançadas se trabalha depressa venham conhecer Angola; aqui é tudo para ontem. Talvez seja a crise permanente que se vive em Portugal que obriga as nossas empresas aqui a compensar as perdas de lá; não sei, ou talvez o facto de um expatriado não ser barato, o certo é que aqui trabalha-se e muito. Mesmo. Ainda por cima para quem escolher uma das profissões mais stressantes do mundo... Se os transportes e logística na Europa já não são fáceis, aqui a coisa só vista, porque contada ninguém acredita. Afinal, como diz um velho amigo director de uma agência de navegação: "toda a actividade económica depende de nós, mas, ao mesmo tempo, ninguém dá por nós, somos os low-profilers da economia". Um exemplo da dependência? Cerca de 200 emails recebidos por dia e pelo meio-dia a memória do telefone já esgotada entre chamadas recebidas e efectuadas... É obra!
Por tudo isto, Angola não mata, mas mói. Quando vou de férias tenho o cérebro literalmente em água. Mas ao mesmo tempo é deveras gratificante, pois com todas as dificuldades do meio ganhamos competências inimagináveis para quem vive no conforto do hemisfério norte. Ganhamos uma visão da organização a 360º, a gestão ganha uma nova dimensão e aqui, melhor que em qualquer lugar, percebemos Mintzberg quando diz que o gestor não deve estar acima na organização num organograma em 2D, mas sim bem no centro num esquema em 3D. E ainda nos tornamos criativos. Quando a internet vai abaixo, quando o sistema do banco não funciona, quando o Porto não consegue localizar aquele contentor tão importante, só com muita imaginação atingimos o sucesso. É por estas e por outras que costumo brincar a dizer que se os expatriados em Angola regressassem todos ao mesmo tempo para Portugal iriam contribuir ainda mais para o desemprego, pois cada um podia substituir vários quadros de uma assentada. Não por acaso um amigo que regressou há pouco ouviu dos colegas para ter mais calma e ir mais devagar porque o trabalho não acabava e havia mais pessoas que o podiam fazer... Talvez por isso a pergunta do milhão é porque não trabalhamos nós em Portugal desta forma e deixámos o país entrar em falência? Os salários explicam alguma coisa, mas, certamente, não explicam tudo.