sábado, 31 de março de 2012

Como não noticiar coisa alguma sobre Angola

O Jornal de Negócios publicou esta semana uma notícia sobre a redução dos salários em Luanda, cometendo a proeza de quase não falar no assunto e lançar a confusão.
A notícia que não é notícia conta a história de um jovem de 26 anos que veio recentemente para Angola, lança os habituais clichés do elogio ao país, diz que os salários estão a baixar e que é difícil enviar remessas para o exterior pois há um limite de 5 mil dólares mensais. O texto é vago até dizer chega, não esclarece nada do que se propõe no título e lança uma perigosa ideia. Com o aumento da oferta de mão de obra é mais que normal que os salários baixem, durante os últimos anos muitos foram os que emigraram para o país, mas principalmente os Angolanos que regressaram, muitos deles trazendo na bagagem um diploma e experiência profissional do estrangeiro.
Agora dizer que é difícil transferir dinheiro para o estrangeiro devido a um limite mensal de 5 mil USD é falso e perigoso. Primeiro porque os cidadãos estrangeiros sem cartão de residente não podem de todo enviar remessas. Ponto. Segundo porque esse limite não existe para as entidades patronais no pagamento dos salários aos trabalhadores estrangeiros. E terceiro porque esse mesmo limite só é imposto a cidadãos nacionais ou estrangeiros residentes. No entanto o perigoso da notícia é que transmite a imagem de que os estrangeiros se lamentam de poderem transferir "apenas" 5 mil USD/mês para o estrangeiro, como se a sua única preocupação fosse ganhar dinheiro e tirá-lo do país! Ideias destas num dos países mais pobres do mundo, com um PIB per capita de valor igual ao limite mensal das remessas para o estrangeiro, são de todo erradas, injustas e perigosas.
A obrigação de um órgão de comunicação com o prestígio do Jornal de Negócios não se coadugna com a ligeireza de textos como este, cujo tema é interessante, mas mais importante é o seu esclarecimento nos dias que correm devido às relações entre os dois países. Noticiar a vinda de um jovem para Angola (como se não estivessem por cá aos milhares!), dando a imagem que o mesmo já se queixa dos baixos salários e do limite que envia para casa não é notícia, será, no mínimo, ignorância de quem escreve. Se não acreditam leiam as reacções nos comentários à notícia neste site.

quarta-feira, 28 de março de 2012

Exportar para Angola: obrigações legais e o processo de importação

Grande parte das exportações de Portugal para Angola é feita para as filiais ou subsidiárias das empresas portuguesas instaladas localmente, mas mesmo quando isso não acontece é tão ou mais importante conhecer as obrigações legais da importação, bem como o processo em si, sob pena de poder ver um aparente bom negócio ir por água abaixo.
A alteração mais importante foi decretada em 2011 e obriga ao licenciamento prévio das facturas, que ultrapassem os 5 mil dólares, no Ministério do Comércio de Angola. Para este licenciamento o importador deve possuir o Certificado de Autorização da Actividade Comercial Externa, emitido pelo Ministério, vulgarmente conhecido como Licença de Importação, e deve ainda ter o cadastro actualizado, o que lhe permitirá aceder ao novo sistema de licenciamentos online (Sicoex), autorizando um Despachante Oficial para o efeito.
Só com as facturas licenciadas o importador poderá fazer pagamentos antecipados ao seu fornecedor (devendo justificar-los posteriormente com a apresentação dos documentos de importação), bem como correr o despacho de importação nas Alfândegas de Angola.
Existem produtos que requerem inspecção pré-embarque para despacho de importação, sendo os mais importantes os produtos alimentares e bebidas, animais vivos, medicamentos, produtos químicos, veículos e máquinas usadas, bem como suas partes e acessórios. Para a inspecção pré-embarque o importador deve licenciar a factura no Ministério do Comércio, após o licenciamento entregar uma cópia do mesmo numa agência inspectora com escritório em Angola (Bureau Veritas, Cotecna ou SGS), a qual atribuirá um número PIP (Processo de Inspecção Pré-embarque) à mesma, sendo esse número enviado ao escritório no país do exportador, o qual contactará o mesmo para a realização da inspecção, sendo que após a mesma a mercadoria pode embarcar, emitindo o escritório da agência em Angola um Atestado de Verificação (ADV), requerido pela Alfândega. O PIP é pago em Angola com um custo de 0,75% do valor FOB (Freight on Board) da mercadoria, com um custo mínimo de 320 USD.
Para os produtos alimentares de origem animal e vegetal são ainda requeridos os Certificados do país de origem: de Salubridade para produtos de origem animal e Fito-sanitário para produtos de origem vegetal; tendo que obter ainda os seus homólogos no Ministério da Agricultura e Pescas de Angola. Para os Vinhos a Alfândega requer um Certificado de Origem.
Outra restrição muito importante, implementada em 2011, proíbe a importação de veículos ligeiros com mais de três anos e de veículos pesados com mais de cinco anos, sendo que os novos estão isentos de inspecção pré-embarque.
Assim, a documentação necessária para uma importação (de carga marítima contentorizada, que é o modo mais usual) em Angola é o Conhecimento de Embarque da agência de navegação (Bill of Lading), Certificado do Concelho Nacional de Carregadores de Angola (emitido pelo agente do mesmo no país de origem a pedido do transitário/ despachante que faz a exportação), factura original, factura licenciada e Atestado de Inspecção e Certificados de origem/locais (quando a mercadoria assim o obriga). Para o despacho de importação é sempre necessário recorrer aos serviços de um Despachante Oficial (podendo um transitário fazê-lo pelo importador), sendo que o processo de desalfandegamento e entrega da mercadoria é algo moroso, podendo demorar entre 5 a 15 dias após a chegada do navio com as mercadorias.
Muito resumidamente o processo é o seguinte:
- O despachante analisa a documentação e emite uma requisição de fundos ou factura proforma, com uma previsão dos custos do processo, para pagamento pelo cliente (aqui tudo é pago antecipadamente).
- É elaborado o DU (documento único aduaneiro), juntamente com as facturas originais e as licenciadas pelo Ministério do Comércio, o Conhecimento de embarque validado pela agência de navegação em Angola e o Certificado do CNCA, para entrega na Alfândega após a chegada do navio (só os processos com produtos perecíveis ou carga perigosa podem ser entregues antes da chegada do mesmo).
- A Alfândega emite a Nota de Liquidação das Obrigação Aduaneiras, a qual será paga no Banco, para posterior emissão da Nota de Desalfandegamento.
- O processo segue para pagamento da taxa de serviço do Porto (Factura EP14); a referida taxa é de 90 USD por contentor de 20' e 180 USD por contentor de 40'.
- Quase a finalizar, e para levantamento dos contentores, paga-se a taxa do terminal portuário (Factura EP17), sendo esta composta por duas rubricas: THC (Terminal Handling Charge) e Armazenagem. A THC é de 280 USD por contentor de 20' e 560 USD por contentor de 40'; a armazenagem dispõe de 5 dias gratuitos após a atracação do navio, sendo depois de 60 USD/dia por contentor de 20' e de 120 USD/dia por contentor de 40'.
- Após a entrega da mercadoria devolve-se o contentor vazio ao terminal e o Despachante elabora o fecho de contas para acerto das mesmas.
Para cada um destes passos conte no mínimo com 24 a 48 horas, isto se o sistema electrónico nas instituições não falhar, a Alfândega não requerer uma verificação física à mercadoria e o Porto não sofrer de grande congestionamento; conte ainda com a proibição dos veículos pesados circularem durante o dia no centro de Luanda, bem como o intenso tráfego rodoviário em toda a área metropolitana da cidade. Note que referi apenas os custos para carga marítima contentorizada, pois é a mais usual, mas a que apresenta os custos de importação mais elevados, pois as viaturas, carga a granel e carga aérea beneficiam de custos mais baixos.
Para ter uma ideia dos custos aduaneiros cobrados pelas Alfândegas (que podem ir desde zero a 30% para direitos aduaneiros e imposto de consumo, respectivamente) pode consultar a Pauta Aduaneira, disponível no site da instituição; é importante saber ainda que estes custos incidem sobre o valor CIF (Cost, insurance and freight) ou CRF (Cost and Freight) da mercadoria, mesmo que a compra seja feita ao abrigo de outro Incoterm.
Todos os anos a Alfândega de Angola e as administrações dos diferentes portos leiloam inúmeros contentores, que ficam quase um ano nos vários terminais, certamente por desconhecimento de algumas leis e obrigações pelos importadores, com os inevitáveis e elevados prejuízos para todas as partes envolvidas, pelo que antes de se aventurar neste mercado convêm estudar bem a lição e preparar devidamente cada processo de exportação para evitar dissabores.
De forma resumida para não ser demasiado confuso tentei fazer aqui alguma luz sobre um mercado apetecível para as nossas exportações, mas não tão fácil como muitos julgam, no entanto para alguma dúvida ou questão em particular deixo à vossa inteira disposição a caixa de comentários, bem como o email do blogue.
Resta-me, então, desejar boas exportações!

sábado, 24 de março de 2012

Primeiro aniversário e uma prenda

Neste mês de Março este local cumpriu o seu primeiro ano de existência.
Passou rápido, escreveram-se algumas postas de pescada, mandaram-se uns bitaites, deu-se música e assim espero continuar por mais alguns anos.

A prenda chegou na semana passada com a publicação deste texto na edição em papel do Linhas de Elvas (semanário da minha terra natal).

PS: Pelo menos a direcção do jornal podia ter avisado com um mail para a caixa de correio do blogue ao invés de tomar conhecimento por terceiros...

sexta-feira, 23 de março de 2012

Exportar para Angola: o quê e a quem?

Angola é um país que importa cerca de 90% daquilo que consome, onde a indústria é ainda incipiente e a excepção à regra é o sector petrolífero.
O país importa de tudo um pouco, no entanto o mercado tem evoluído imenso nos últimos anos e hoje o angolano é um cliente exigente, ao qual já não importa apenas o preço e a qualidade é um factor importantíssimo. No site do CNCA pode consultar os diferentes boletins estatísticos, onde constam as quantidades dos diferentes produtos importados, para fazer uma primeira imagem do que mais se importa. A construção civil tem um papel de destaque, graças ao Plano de Reconstrução Nacional levado a cabo pelo Governo desde o fim da guerra, pelo que os cimentos, materiais de construção, ferro e aço têm grandes volumes de importações. Mas outros sectores como as telecomunicações, a energia, o saneamento básico, a saúde, os transportes ou a alimentação têm igualmente grandes necessidades. Os serviços têm também amadurecido, pelo que a consultoria, a auditoria, arquitectura ou engenharia são também áreas em franca expansão.
Um bom começo para quem quer começar a exportar é começar a prospecção em Portugal pelas muitas e diversas empresas com filiais ou sucursais em Angola (afinal de contas Portugal é o seu segundo fornecedor), já que muitas destas empresas não exportam apenas a sua produção e têm encomendas que obrigam a uma procura em Portugal ou no estrangeiro. Estão por aqui empresas de todos os sectores (muitas delas conhecidas por todos e à distância de um click) desde a construção à energia, passando pelos transportes, telecomunicações ou bebidas, pelo que oportunidades não faltam. A outra excelente opção são as muitas tradings existentes que compram no mercado nacional para exportar para Angola, já que não tendo um portefólio específico, graças à inexistência de produção própria, negoceiam de tudo um pouco, desde máquinas e viaturas, materiais de construção, ferramentas ou produtos alimentares e bebidas.
No entanto para quem quer fazer negócios directamente é impossível não visitar o país e conhecer em primeira mão as especificidades e necessidades locais, sendo que as melhores oportunidades são as várias feiras realizadas na FILDA. No site da instituição pode verificar o calendário e escolher as que interessam, pois há para todos os gostos, desde a Constrói Angola destinada à construção civil e industria, à Alimentícia destinada aos produtos alimentares e bebidas. São feiras bastante concorridas, que fervilham de actividade, com visitantes de todas as latitudes, pelo não é difícil fazer negócio, mas planifique com bastante antecedência, principalmente porque as reservas de hotéis são ainda algo complicadas devido à grande procura e pouca oferta. Para melhor informação e esclarecimento pode, e deve, contactar o organizador - Eventos Arena - o qual tem uma delegação em Portugal para o efeito. O AICEP e a Câmara de Comércio e Indústria Portugal-Angola são igualmente referências obrigatórias de apoio para quem quer iniciar a sua actividade exportadora.
No próximo post irei abordar as obrigações legais para a importação em Angola, as quais são importantíssimas, para evitar surpresas desagradáveis que podem deitar por terra qualquer aparente bom negócio.

domingo, 11 de março de 2012

Política de interiores

A política no interior de um país com 250 kms de largura é algo muito giro, assim a modos que para o deprimente.
O pessoal na capital anda muito preocupado com a falta de políticas para o interior, quando na realidade a verdadeira preocupação deviam ser as políticas que os seus apaniguados interiores praticam. Lá para o Alentejo profundo, onde começa a Europa, ali onde espreitamos Espanha, há uma pequena cidade que dá pelo nome de Elvas que é o perfeito exemplo destas características. A coisa é mais ou menos assim: a cidade é governada por socialistas há duas décadas e actualmente tem a maior taxa de desemprego do Alentejo. Outrora uma cidade com elevado nível de vida, com uma boa economia assente na industria e serviços, que beneficiou sempre da proximidade com Badajoz, é hoje uma cidade "morta" a todos os níveis. A industria é inexistente, o comércio definha, os serviços são poucos ou de má qualidade e o turismo uma miragem. O rendimento médio per capita é dos mais baixos da região. Quem faz pela vida procura melhor sorte noutras paragens, melhor exemplo disso é que dos cerca de 20 alunos da minha turma de 12º ano, de 1997, só três colegas permanecem na cidade.
Mas é uma cidade bonita, de cara lavada e com obra feita, principalmente nas placas com o nome do seu Presidente da Câmara espalhado por tudo quanto é sítio, em ruas, bairros, lares, praças e até no Coliseu à entrada da cidade. Vai daí, como factos são factos, volta e meia a imprensa da cidade escreve e opina sobre o que está à vista de todos. O editorial do Linha de Elvas desta semana - "Somos Líderes" - foi particularmente contundente, incisivo e assertivo, põe o dedo na ferida sem rodeios: a Câmara é rica, mas o concelho é pobre e a imagem do mesmo mais ainda, fruto da total inépcia do Município na gestão do turismo e economia. Numa altura em que o Alentejo está na moda Elvas é desconhecida, ignorada e pouco ou nada divulgada. A Câmara Municipal não gostou e a resposta é uma pérola da nossa política de interiores:

"Elvas tem um jornal semanal há mais de 60 anos e, de momento, é a única publicação do género no nosso concelho. Infelizmente, aquilo que a Câmara Municipal de Elvas tem vindo a notar é que as páginas do "Linhas de Elvas", semana a semana, se enchem de textos e imagens onde avultam a produção e divulgação de uma imagem negativa do concelho.(...)
A Câmara Municipal de Elvas não sugere a ocultação das chamadas notícias negativas, mas acredita que os Elvenses gostam de ver divulgados, nos seus diferentes órgãos de comunicação social, os factos que motivam o nosso orgulho e contentamento colectivos."

O PS de Sócrates da má memória não faria melhor. A Câmara Municipal não se pronuncia sobre os temas das notícias, mas preocupa-se e muito com a imagem que a comunicação social transmite. Factos não importam, a imagem é tudo e a realidade um mero argumento passível de ser moldado à vontade dos interesses de cada um. Estamos a falar de uma Câmara que em ano de vacas magras e contenção orçamental teve o "orgulho e contentamento colectivos" de destinar dois milhões de Euros para a construção de piscinas em três freguesias rurais. Estas devem ser as notícias que importam...
Nem tudo será culpa da Câmara, a inacção e falta de iniciativas privadas em Elvas têm uma factura elevada no estado da cidade, mas é sempre ela a responsável pela gestão da coisa pública; em meios pequenos do interior a responsabilidade das autarquias é enorme, graças à inexistência de um sector privado forte, onde os Municípios são as maiores entidades empregadoras dos concelhos, fazendo com que directa e indirectamente todos dependam do mesmo. Elvas é um exemplo, mas o resto do país não será muito diferente.
Portanto a mim não me preocupa demasiado a inexistência de políticas por parte do poder central para o interior, mas sim as políticas que por lá se praticam de há muitos anos a esta parte.

sábado, 10 de março de 2012

Exportar para Angola

Aproveitando o facto do défice externo de Portugal estar a equilibrar-se este blogue irá iniciar uma série de posts sobre como exportar para Angola.
Sendo este um mercado cada vez mais importante fora da UE e tendo nós que diminuir a dependência desta, fruto da sua conjuntura, e dado que o desconhecimento, as dificuldades e a burocracia são mais que muitas irei explicar alguns pormenores sobre os procedimentos e requisitos necessários.
A realidade e a legislação local exigem algum conhecimento prévio para evitar surpresas desagradáveis, principalmente tendo em conta as grandes alterações que o Ministério do Comércio de Angola vem implementando, desde meados de 2011, com a intenção de regular a actividade comercial externa e controlar as remessas de divisas para o exterior.
Apesar da legislação ser algo extensa e confusa tentarei ser o mais sucinto possível; não é tão simples como exportar para a UE, mas também não é tão complicado como para o Brasil. Em breve explicarei porquê.