terça-feira, 8 de março de 2011

Breve história de uma longa viagem

A vida corria quase parada na imensidão da planície alentejana, entre o trabalho falado em espanhol para pagar os ócios do fim de semana e o tempo, imenso, para nada se fazer.
Sonhos, muitos, quase colocados de lado, porque nessas terras se pensa pequenino e quem grande pensa logo é colocado no devido lugar, como que enjaulados pelo deserto de ideias. Mas, como a vida é uma caixinha de surpresas e o acaso um brincalhão, em breve ver-me-ia atirado para outro mundo um pouco diferente.
Dou por mim sozinho na fila de bancos. Três lugares só para mim (o que é deveras sortudo tendo em conta a exiguidade da classe económica para um destino na moda) que me permitiriam estar já profundamente adormecido quando levantamos voo. Um 777 novo? Nada mau para quem nunca andou de avião... Não é assim tão especial quanto imaginamos. Excepção feita para a duração da viagem, pois 7 horas sem nicotina acabam com o juízo de qualquer um dado a esse vício.
Eis que nos aproximamos da pista. Espero a grande cidade de que todos falam, mas, afinal vista da janela apenas parece uma árvore de natal mal decorada, luzinhas aqui e ali piscam intermitantemente sem que consigamos vislumbrar o desenho das ruas. Pelo menos a baía é fácil de descobrir. Chego à porta do avião e é como se abrisse a porta do forno da cozinha e mergulhasse lá para dentro, o calor cai-me em cima deixando-me o corpo mais pesado e molhado, custa respirar, o ar é quente, espesso e com um odor diferente... A uns poucos metros de distância o 4 de Fevereiro esperava por mim.
A cidade era escura, pouco iluminada, não dando sequer para ver da janela do carro as fachadas dos prédios por onde me conduziam à minha nova casa. Pelo menos aparentava ser uma cidade igual a tantas outras... Chegados ao prédio de repente mergulho no Blade Runner. O pátio de entrada rechado de lixo e sujidade, as paredes esburacadas, o corrimão das escadas sumido, a iluminação ausente. Aberta a porta de casa o coração sossega, o cenário muda, nada luxuoso, um apartamento igual a tantos outros que se alugam a estudantes em Portugal, ou seja com o básico e elementar para o conforto com as suas paredes brancas como única decoração.
Para jantar cozinha libanesa, fahita de frango, nada mau para quem a gastronomia, até então, começava acima do Douro e terminava algures no Guadiana.
Ao serão uma imponente trovoada tropical recebía-me com todo o seu esplendor, iluminando o meu quarto, não fosse eu perder-me na noite de Luanda.
Foi em 2007. De lá para cá e entre cá e lá, muita coisa mudou.
Este blogue continuará a contar algumas dessas coisas.

4 comentários:

A. João Soares disse...

Mas... Depois desta ausência, aparece a contar coisas de há quatro anos? Seja bem vindo. Pelo menos sinais de vida são sempre de festejar pelos amigos.
Desejo que tenha passado bem e que continue com a vitalidade que lhe conheci há tempos.

Um abraço
João
Do Miradouro

André Miguel disse...

Caro João,
Muita coisa aconteceu em quatro anos e que nunca foi escrita! E é deveras interessante olhar para trás e fazer a comparação com os dias hoje, que afinal é o que pretendo.
Abraço!

Rafeiro Perfumado disse...

Ora aí está um local que não conheço (como muitos outros, infelizmente). Agora a sensação de forno, essa é-me familiar, e adoro, pois é sinónimo de que estou de férias!

Abraço!

André Miguel disse...

Rafeiro,
Também gosto do "forno" nas férias, mas enfrentá-lo para trabalhar é tramado!
Abraço.