sábado, 7 de maio de 2011

Crónica sobre quatro anos no reino da Rainha Ginga (que é como quem diz Angola)

Escrevo estas linhas prestes a cumprir exactamente quatro anos da minha chegada a Angola.
Movido por um lóbi pessoal deixei as plácidas planícies alentejanas e embarquei, por acaso, na grande aventura do novo El Dorado lusitano. Angola dava então o maior boom económico no mundo. Tudo estava por fazer e Luanda era uma babilónia fervilhante de vida, caótica, agitada, sobrelotada, com os negócios a surgirem por tudo e nada, feitos por gente dos quatro cantos do mundo e com dinheiro a circular a rodos. Muitos dos nossos empresários atiraram-se literalmente de cabeça, julgando aqui encontrar o pote com ouro logo após o arco-íris, havendo até a impressão de que quem não visitasse Luanda não se podia considerar empresário. Muitos nada planificavam, nada estudavam e pareciam até julgar que os dólares surgiam dos buracos nas estradas, dos geradores a fumegar por falta de energia da rede ou das torneiras de água secas durante dias a fio. Pagar 10 mil dólares mensais pelo escritório, mais 5 mil pelo apartamento não eram problema, afinal algum negócio fácil acabaria por surgir, até porque os contentores com mercadoria há 30 dias ao largo na Baía de Luanda, sobrelotada de navios à espera da sua vez para atracar, estavam já vendidos.
Mas ao mesmo tempo que as estradas começaram a ficar sem alguns buracos, a energia eléctrica começava a ser mais constante e a água pingava timidamente das torneiras, os bancos começaram a questionar as transferências para o estrangeiro, a baía começou a ficar descongestionada, os navios a atracar com mais celeridade, o número de estrangeiros a diminuir e as obras a abrandar o ritmo. O que parecia uma boa notícia não era senão um pré-alerta para o que estava a chegar. De um dia para o outro, o horror: os dólares acabaram. O mundo, afinal, era muito maior que Luanda e os ventos de lá fora sacudiram o El Dorado com violência, pois chegara a factura pelas dificuldades de financiamento devido à crise internacional e consequente baixa do preço do petróleo. Só às construtoras a coisa atingira uns estonteantes 5 mil milhões de euros. Os Angolanos descobriam de um momento para o outro que afinal o petróleo não mata a fome e os Portugueses que não há almoços grátis, principalmente na Ilha de Luanda onde nunca custam menos de 100 dólares por pessoa. O pior é que o preço do escritório e do apartamento não baixou, os buracos não se taparam todos, a energia continua a falhar e a água ainda só pinga na torneira; lidar com isto e com facturas por pagar não é para todos.
Angola não é para quem quer, nem para quem pode: é para quem consegue. Se as empresas precisam de uma confortável almofada financeira e de um prolongado estudo de mercado, os cidadãos estrangeiros precisam de um bom “poder de encaixe”, que lhes permita não fugir daqui a sete pés após os primeiros 15 dias (costuma-se ouvir que este país é para homens de barba rija e mulheres com pêlos nas pernas). A crise, pelo menos aqui e como deviam ser todas, foi positiva. Limpou o mercado, pois aguentaram-se à tona apenas aquelas organizações que tinham a melhor embarcação para esta incerta aventura que está, sem dúvida, mais tranquila, com as melhores previsões a concretizarem-se.
Há quatro anos meus pais e amigos criticaram a minha decisão, pois deixava um novo projecto, em Espanha, para uma aventura em terreno incerto. O mundo não muda muito numa semana, como dizem os nossos políticos, mas em quatro anos muda o suficiente para que o terreno incerto esteja agora em casa, de tal modo que quem lá ficou elogia já esta viagem, ao ver cada vez mais aviões partirem da Portela com jovens em busca de melhor sorte. Tanto assim é que, infelizmente, ainda não sabemos quantos mais anos teremos que somar a estes quatro que agora se cumprem.

(Publicado também aqui, por Delito de Opinião, graças ao gentil convite do Pedro Correia)

Sem comentários: