sábado, 17 de dezembro de 2011

Angola e o El Dorado ou como o disparate continua

Depois de durante anos a fio nos andarem a vender Angola como o El Dorado, até que deixaram um calote de 9 mil milhões de dólares só às construtoras, são agora nuestros hermanos a juntarem-se à festa e a publicitarem tal ideia no El País.
Ou as noticias chegam tarde a Espanha ou estes descobriram uma nova galinha dos ovos de ouro com a qual esperam trocar mil milhões de dólares, pois nesta altura do campeonato já todos sabemos que não há El Dorado algum, muito menos em Angola. O crescimento a dois dígitos é aliciante, os recursos abundantes, a necessidade de mão de obra é imensa, está quase tudo por fazer, mas prudência e caldos de galinha são o melhor remédio; não há dúvida que esta é uma terra de oportunidades, milhares de jovens, como eu, encontram aqui o que lhes falta na sua terra natal, mas daí a adjectivar Angola como um pote de ouro é um disparate completo.
Até Manuel Ennes Ferreira, professor do ISEG que de vez em quando manda uns bitaites sobre África no Expresso, escorrega na casca de banana afirmando que em Angola "há dinheiro, há financiamento e está tudo por fazer". Ora o Sr. Ennes Ferreira deve desconhecer que se o Banco Nacional de Angola proibiu desde Junho os estrangeiros não residentes de efectuar operações cambiais é porque afinal não há assim tanto dinheiro. E por algo o FMI recomenda o BNA a sujeitar a banca angolana a testes de stress, como se pode ler na edição desta semana do caderno de economia do jornal O País (sem link). Já para não falar que a dívida às empresas portuguesas ainda ronda os mil milhões (e sei de muitas empresas com grandes problemas de tesouraria devido a isso).
Mas pior que tudo são as pessoas que continuam a engolir ideias como esta, como comprova uma senhora, citada na notícia, que está em vias de chegar a Angola, porque em Portugal ganha 600 euros e aqui pagam o triplo. Ou esta senhora vem para aqui com alojamento e despesas inerentes, transporte, viagens a Portugal, seguro de saúde e alimentação incluídos ou então vem muito mal paga e não sabe onde se vai meter. Antes de partir à aventura, como diz outro dos portugueses citados na noticia, há que ter sempre presente a regra número um ao vir para Angola: isto não é uma aventura e o menor erro pode ser fatal e deixar marcas profundas. Este país é para homens de barba rija e exige uma cuidada planificação. O custo de vida é o triplo do europeu, os produtos nos supermercados custam, no mínimo, o dobro e pode não haver limite, um prato do dia, no restaurante mais barato, não custa menos de 25 usd e a juntar a isso esqueça a energia eléctrica sem gerador e a água canalizada sem electro-bomba, pelo que imaginem os custos e se um destes aparelhos avariar arme-se de paciência até encontrar um bom técnico que o repare à primeira sempre com preços de 50 usd / hora. Até o Sr. Ennes Ferreira, que diz que aqui há dinheiro, reconhece que há quem deprima ao fim de uma semana porque não suporta as dificuldades do meio e que o país não é para "meninas" (seja lá o que isso quer dizer). Luanda parece que está sempre empurrar-nos daqui para fora...
Não me interpretem mal, pois não estou a dizer que não vale a pena vir para Angola, tudo o contrário, mas cuidado com o que se lê sobre o país. A minha sentença é de que vale a pena vir, mas não esperem vida fácil nem tornarem-se ricos por estas bandas como anunciam estes títulos na imprensa. Sem dúvida que se a vinda for bem planeada vale bem a pena e recompensa, mas aqui trabalha-se muito (mesmo!) e vive-se em stress constante (a pobreza que entra pelos olhos dia a dia, o trânsito, as faltas de energia, de água, os serviços lentíssimos, a ausência de infraestruturas, etc), nenhuma empresa paga 5 ou 6 vezes mais para que se tenha o mesmo ritmo de trabalho que em casa, pois um expatriado é um pesado investimento que deve dar o devido retorno, no entanto a experiência que aqui se ganha, fruto das contingências do meio, em poucos lugares do mundo se consegue. Venham, mas venham para trabalhar e se é para enriquecer nem sequer façam as malas e dediquem-se antes à política onde parece que ainda há oportunidades.
Para finalizar e mostrar a perfeita idiotice destas notícias pergunto apenas porque não se diz que França, Brasil e EUA são também o El Dorado da emigração Portuguesa? É que vendo este gráfico, sobre o destino dos nossos emigrantes na última década, Angola nem sequer é referida. Mas tem petróleo e diamantes o que deve dar azo a muita coisa...

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