À beira de completar seis anos em Angola muita coisa há para escrever e contar, difícil é escolher e saber por onde começar, mas desde o início atribulado às peripécias do dia-a-dia, que só aqui acontecem, há algo que não mudou nestes anos: um quarto trimestre endiabrado.
Não sei se o mesmo acontece em todas as profissões, mas para quem, como eu, se dedica à logística e transportes internacionais a coisa é difícil de descrever. Este país vive do que importa e a produção local, apesar do aumento que se verifica, é ainda marginal quando comparada com as importações, sendo que estas, literalmente, disparam no último trimestre do ano; facilmente se duplica ou mesmo triplica o volume de actividade nesta fase. A correria é impressionante. Tudo se encomenda, tudo se compra e vende, com especial incidência nos cabazes de Natal, que são uma oferta de grande tradição natalícia por estas bandas. O fim de ano, pelos motivos óbvios, é uma época de grande consumo e Angola não é excepção, mas tem a particularidade de Luanda ser o seu grande centro comercial, a capital é o grande mercado abastecedor do país, pelo que o resultado é fácil de imaginar: se o Porto e o Aeroporto já são pequenos para a sua actividade normal e as ruas da cidade estão sempre congestionadas, imaginai nesta fase. A paciência de santo é quase requisito obrigatório.
E o volume de trabalho torna-se impressionante, o ritmo endiabrado, com muito pouco tempo livre. O dia-a-dia já é sempre bem recheado, pois um expatriado tem que render bem o que a empresa paga por ele, mas nesta altura do ano é coisa é indescritível.
Mas pelo menos é verão. Há sol e calor com fartura a convidarem constantemente à praia, aos almoços à beira mar e às festas nocturnas na Ilha de Luanda. Mas tanto calor também consome mais energia, pelo que o fornecimento desta fica um pouco mais irregular nesta fase. Em verdade se diga que a distribuição de energia em Luanda melhorou imenso nos últimos anos, mas ainda é usual passarmos um, dois ou três dias por semana, dependendo das zonas, sem energia eléctrica. E sem energia eléctrica podemos esquecer o duche, pois se a electro-bomba não funcionar não há como levar água até casa. Sobra o gerador, o qual, no meu caso, tem sempre a pontaria de avariar quando há mais falhas de rede. Sendo verão é também a época das chuvas, sendo que aqui quando chove vem água a sério, com todos os transtornos que podemos, ou conseguimos, imaginar numa cidade preparada para 500 mil habitantes e hoje com cerca de 5 milhões. O trânsito que já é quase tipo betão, fica pouco menos que impossível, pelo que a pontualidade para com os compromissos, que já é uma miragem, fica um mito. E depois temos as falhas de sistema; por uma incrível coincidência falha o sistema precisamente nos sítios onde temos algo a tratar naquele preciso momento.
Mas este ano, como se tudo isto não bastasse para testar a nossa resistência, uns tipos lá em Portugal, que é tão só o segundo fornecedor de Angola, lembraram-se de fazer umas graves nos portos, ou seja: já tínhamos a incerteza de quando um contentor sai do Porto de Luanda, mas agora temos a incerteza de quando o mesmo cá chega. Fantástico, não é?
Menos mal de daqui a pouco mais de um mês estarei de férias na planície alentejana e o resto é conversa...
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